De quem é a responsabilidade?

Em setembro de 2010, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou a Resolução Normativa nº 414 que transfere para os municípios a responsabilidade de investir, manter, operar e prestar serviços de atendimento aos consumidores e usuários de espaços públicos. Em abril de 2012, a agência pôs em vigor outra normativa, de nº 479, que altera alguns itens da primeira e determina que as concessionárias de distribuição de energia (públicas e privadas) transfiram para os entes federados municipais, até 31 de janeiro de 2014, os ativos imobilizados em serviço de iluminação pública.

Na prática, a resolução obriga os municípios a receber esses ativos e a se responsabilizar por projetos de ampliação, manutenção e modernização dos pontos de iluminação pública de suas dependências. A responsabilidade agregará novas tarefas para as já sobrecarregadas administrações públicas municipais, seja pela operacionalização direta das redes – feita pela equipe da prefeitura ou por autarquia própria – ou indireta, por meio da contratação, via licitação, de empresas especializadas, incluindo as próprias concessionárias.

A resolução terá também um fortíssimo impacto de custo, segundo o advogado especialista no segmento de iluminação pública e em direito processual tributário Alfredo Gioielli. De acordo com ele, a transferência implica um aumento de até 70% nos gastos municipais com iluminação pública, já que administrações não dispõem dos mesmos benefícios fiscais que as concessionárias para realizar essa manutenção, e nem de pessoal da área técnica especializada. Com isso, uma manutenção que hoje custa de R$ 1,50 a R$ 2 por ponto de iluminação poderia chegar ao valor de R$ 20 por ponto.

Para o advogado, a regulamentação da agência é inconstitucional. “A Aneel não tem o poder de obrigar as concessionárias a transferirem seus ativos para os municípios e nem esses de os receberem.” Essa, inclusive, foi a decisão tomada pelo juiz federal Luiz Antonio Ribeiro Marins, da 2ª Vara Federal em Marília, em fevereiro deste ano, que concedeu ao município uma liminar que o desobriga a receber da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) os ativos imobilizados em serviço relativos à iluminação pública.

Nesta entrevista, o advogado explica por que considera a resolução da Aneel inconstitucional, aponta interesses setoriais na normativa e informa quais medidas podem ser tomadas pelos municípios mediante as resoluções da agência. Até a data de fechamento desta edição, a Aneel, procurada pela equipe da revista Infraestrutura Urbana, não havia se posicionado sobre as declarações de Gioielli.

Por que as resoluções nº 414 e nº 479, da Aneel, têm provocado tanta polêmica?
Porque, ao publicar essas resoluções, a Aneel exorbita sua competência, uma vez que ela é uma agência reguladora e, como tal, tem o poder de f iscalizar e complementar as normas, desde que não extrapole, criando obrigações e retirando garantias que as concessionárias e as prefeituras têm.

E que obrigações e garantias são essas?
A resolução nº 479 altera as disposições da no 414, e estabelece a transferência do ativo de iluminação pública para 31 de janeiro de 2014. Além disso, em seu artigo 13, aponta a obrigação dos municípios de realizar projetos de ampliação, manutenção e modernização do parque, sendo submetidas às concessionárias.

Mas a questão da transferência de responsabilidade pela gestão dos ativos já não está consolidada no artigo 30 da Constituição, inciso V, que diz que “compete aos municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”?
Isso é o que defende a agência. Mas a iluminação pública está diretamente relacionada à segurança pública, não é um assunto de interesse local, assim como serviços de abastecimento de esgoto também não são, por exemplo. E nem a Constituição Federal diz que a iluminação pública é de interesse local. Antes do artigo 30, ainda há o artigo 21, que fixa que é competência da União explorar os serviços por meio de concessão de instalações e energia elétrica. A União, por meio do presidente da república, criou o Decreto nº 3.763, de 1941, que impõe todos os serviços de iluminação pública e de exploração de energia elétrica para as concessionárias, por meio de uma concessão de 25 ou 30 anos, e estas são obrigadas a explorar o ramo e cuidar dos serviços de iluminação. A Aneel também desconsiderou o Decreto nº 41.019, de 1957, que dá essa total prerrogativa e responsabilidade das concessionárias de fazerem essa manutenção.

E, em seu entender, não caberia à Aneel criar uma nova normativa para estabelecer novo regulamento ao setor?
A transferência de ativos só poderia acontecer por meio de um decreto autorizador da presidência da república, pois o artigo 63 do decreto é bem claro nesse ponto. O órgão não pode inovar de forma legislativa na vigência de um decreto que não foi revogado.

As concessionárias poderão participar dos processos licitatórios para realizar os serviços de manutenção, como sempre fizeram, mas agora por um valor muito maior e com privilégios em relação às outras concorrentes

Mas há municípios, como São Paulo, onde a responsabilidade pela iluminação pública já é das prefeituras.
Sim, mas a questão é a obrigatoriedade que a Aneel está imputando aos municípios, quando na verdade deveria ser opcional. Há muitos municípios menores, com menos de 50 mil habitantes, por exemplo, que não têm condições estruturais de assumir essa responsabilidade, e que terão de montar uma equipe técnica própria de projetos. Além de tudo, no artigo 13 da resolução no 479, há a questão de que todos os projetos que forem realizados pelos municípios terão de ser submetidos à aprovação das concessionárias.

Por quê?
Porque as concessionárias são donas dos pontos pelo período de concessão. Com a transferência, só vão deixar de ser donas daquilo que está para frente do poste, que são os ativos: lâmpadas, suportes, chaves, luminárias, reatores, relés, cabos, condutores, braços e outros materiais de fixação para o serviço de iluminação pública. Ou seja, ela pode autorizar a mexer na rede apenas as empresas homologadas por ela, de acordo com as suas normas. Então, que autonomia é essa que as prefeituras terão para fazer as manutenções dos pontos de iluminação se elas estarão submetidas às especificações das concessionárias?

Mas os municípios podem fazer a manutenção com equipe própria.
As prefeituras não têm todos os benefícios fiscais que as concessionárias recebem quando têm a concessão outorgada pelo Governo Federal. Para os municípios, a manutenção desses pontos custaria até R$ 20 se feito pela própria prefeitura. Isso implica um aumento do custo operacional municipal de 60% a 70% no orçamento de iluminação pública. E não há qualquer discussão atualmente sobre a possibilidade de redução de ICMS para que os municípios tenham receita para fazer frente a essa despesa.

De quem é a responsabilidade?

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